Fale Comigo e o luto da Geração Z
Filme transforma possessão demoníaca em vício adolescente, abordando luto e saúde mental
Perder os pais – ou um deles – é uma dor enorme para um filho.
Apesar de ser o curso natural da vida, ainda assim, é algo inesperado, que a maioria de nós não faz a menor ideia de como lidar com o que vem depois.
Você vivencia o luto, a vida segue e, eventualmente, você precisa lidar com o fato de que aquela pessoa não estará mais ali, ao seu lado.
E, com isso, tentar preencher aquele vazio que ficou.
Há, contudo, quem tente viver no escapismo, fugindo dessa realidade pelo máximo de tempo possível, usando tudo o que estiver disponível para se “alienar”.
Em Fale Comigo vemos Mia (Sophie Wilde), que após perder a mãe, não está bem.
A relação com seu pai, Max (Marcus Johnson) não é das melhores e, agora, ela precisa lidar com a constante sensação de luto e solidão.
Para fugir de tudo isso, Mia procura abrigo na casa de Jade (Alexandra Jensen), uma amiga.
Tudo vai bem até que elas se reúnem com um grupo da escola para invocar espíritos.
Aqui, através de uma mão embalsamada, os jovens conseguem conjurar espíritos.
As regras são simples: acenda uma vela, segure a mão de gesso e diga “fale comigo”.
Ao ver a pessoa morta à sua frente, você deve dizer “pode entrar”.
O alerta é não deixar que o espírito possessor permaneça no seu corpo por mais de 90 segundos.
Ah, e não se esqueça de apagar a vela no final.
Durante os 90 segundos, os jovens entram em completo transe e, ao invés de perderem a consciência, ficam como observadores do seu próprio corpo agindo de forma estranha e completamente aleatória à sua vontade.
Só que, pelo vício da emoção, junto com a necessidade de se enturmar, Mia acaba quebrando a regra dos 90 segundos, e abre a porta para o mundo espiritual.
POSSESSÃO DEMONÍACA COMO VÍCIO ADOLESCENTE
Fale Comigo retrata a possessão demoníaca como um vício adolescente tão forte quanto a tecnologia.
O filme faz uma pesada crítica à geração Z, usando o jogo de possessão como uma metáfora para as drogas, mostrando como os adolescentes conseguem se tornar viciados tão facilmente a uma coisa perigosa e que lhes faz mal.
Além disso, mostra também como, mesmo assistindo a algo perturbador, os jovens se preocupam mais em filmar e fotografar do que ajudar a pessoa que está em perigo.
Só que o filme vai mais além, ao retratar o luto na adolescência, somado com as consequências que a convivência escolar pode provocar na mente do jovem.
Mia vivencia o luto por sua mãe o tempo todo. E, diante da perda, tenta fugir do sentimento, buscando qualquer coisa que distraia a sua atenção.
Por outro lado, Mia também sente a falta do afeto, já que não possui uma boa relação com o seu pai, procurando cultivar relações com quem aparece em sua frente.
Nesse ponto, Fale Comigo alimenta o drama diante do terror, construindo a relação entre as amigas Mia e Jade, onde a protagonista anseia por tudo o que a amiga possui.
O filme cria o cenário esse cenário de carência, ausência e vulnerabilidade para justificar o vício de Mia na possessão espiritual.
ROTEIRO e DIREÇÃO
Fale Comigo consegue dosar a realidade com a fantasia, sem jogar todo o peso dos eventos no sobrenatural, apostando no subconsciente.
Aqui, as confusões mentais que Mia passa a enxergar após a sua experiência com o mundo espiritual, misturada com os traumas familiares, dão a tônica entre o real e o sobrenatural, fazendo o espectador duvidar do que está assistindo.
Assinado por Danny Philippou, o roteiro do filme é construído nos detalhes e torna-se aterrorizante por conta da experiência dos personagens, que cresce de forma gradativa, mantendo o ritmo, os mistérios e as dinâmicas, fisgando o espectador pelo interesse em saber o que vem depois.
Se os cenários são fruto da mente conturbada de Mia, o que será real diante da possessão demoníaca?
É com esse instigante mistério que Fale Comigo conquista o público.
Ao invés de utilizar jumpscares e outros recursos genéricos de filmes de terror, Fale Comigo vai em outra direção, indo na linha de filmes como Morte, Morte, Morte (2022) e Corrente do Mal (2014), que retratam adolescentes na contemporaneidade e como seus comportamentos são a chave para os maiores medos.
Inspirado nos filmes já citados, e em obras como Sobrenatural (2010) e Quando As Luzes se Apagam (2016) e Sorria (2022), a produção da A24 dirigida por Danny e Michael Philippou é cheia de acertos para estreantes na direção.
Os irmãos, conhecidos por seu trabalho no Youtube, reproduzem ao longo dos 90 minutos de filme, boas ideias que perdem a força pela inexperiência da dupla.
David e Michael são sutis demais quando o filme exige que a história apresente algo a mais.
Como uma obra do pós-terror, Fale Comigo sugere mais do que mostra, o que é eficaz até certo ponto.
No último ato, a direção poderia ter ido mais além e forçado um pouco mais do espectador, partindo para algo mais gráfico, como acontece na primeira cena do longa.
Um sustinho cairia bem no desfecho.
Fale Comigo (2023) consagra a A24 como a produtora queridinha do pós-terror hollywoodiano, sendo um dos grandes lançamentos do cinema em 2023.
O sucesso foi tão grande, que o filme já tem uma continuação garantida pela A24.
FICHA TÉCNICA
🎥 Fale Comigo (2023)
🔊 Título Original: Talk To Me
🔊 Direção: Danny Philippou e Michael Philippou
🔊 Elenco: Sophie Wilde, Ari McCarthy, Hamish Phillips, Sunny Johnson e outros.
🕗 Duração: 01h34min
🎥 Gênero: Terror
🎥 Onde Assistir: nos cinemas
🎥 Sinopse: Um grupo de amigos descobre uma mão embalsamada que lhes permite conjurar espíritos. Viciado na emoção, um deles vai longe demais e abre a porta para o mundo espiritual.
NOTA: 8/10
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